Carta ao Peixe/ Writing to Mr.Fish

«Deus não nos deu um espírito de cobardia, mas um espírito de poder, de amor e de bom juizo.» «For God hath not given us the spirit of fear; but of power, and of love, and of a sound mind.»

Tuesday 26 December 2006

O ano 2006 (ou Boas Festas III)

Peixe-meu,

Apesar do meu "ano interior" ter um ritmo diferente*, estou sujeita ao calendário que dita que os anos acabam no dia 31 de Dezembro às 11h59 e começam dia 1 de Janeiro às 00h00 - é um método de organização como outro qualquer, este até é jeitoso e vai daí que eu, apóstola da Organização, tenha escolhido para si imagens de outras memórias do ano de 2006.
Não foram os momentos mais marcantes deste meu ano, que desses não há registo de tanta emoção que senti, mas foram instantes do que vivi e a minha vida é bênção :)
Então, cá vai: logo nos primeiros dias de Janeiro, a neve que há cerca de 50 anos que não caía em Lisboa; em Fevereiro, o Kido entrou na minha vida (na altura, não percebi que ele tinha a importante missão de substituir o sr. dr. durante a sua viagem de circum-navegação); nos fins do inverno e num dia de muito sol, levámos o Paulo a S. Miguel do Rio Torto, Abrantes, para conhecer a casa onde nasceu o nosso pai e apanhámos todas as laranjas do quintal (regressámos no verão para apanhar todos os figos); no início da primavera, passeei descalça pela praia; no verão, andei contente com tanto calor; e no início do outono, fomos ver as novas tendências na Moda Lisboa.

Eu costumo gostar de todos os anos da minha vida e mesmo aqueles que são tão tristes-que-morremos (como o da morte do meu pai) acabam por ser, sei lá como, especiais.
Ainda não acabou, mas digo já que gostei do 2006 e que 2007 será fabuloso!
Porque o melhor da viagem é o regresso e a expectativa** (pre)enche-me :)

Sempre,
S.Star

* "Há dias em que as estrelas não se vêem", carta de Outubro.
** Hebreus 1:11

O Natal de 2006 (ou Boas Festas II)

(no intervalo dos vapores, chá para aquecer a alma)

Querido Peixe,

Desde 2004 que o meu Natal se tornou numa verdadeira festa e, mesmo constipada, nos dias 24 e 25 de Dezembro só há espaço (físico e mental) para conversar e rir até cair p'ró lado, para comer até rebentar, para gastar a imagem em milhares de fotografias, para explorar todas as formas de batotice em sessões contínuas de 7-e-meio, para abrir presentes-que-nunca-mais-param durante horas-e-horas (este ano, novo record: 3 horas e meia!), para contar histórias de tempo idos e para ser feliz, muito feliz!

Por isso e por tudo, e por muito mais, agradeço à Tatá e ao Zé, ao Paulo e ao Miguel, à vó Tó e ao vó Bertholo, à linda-mana e à Mami. E, claro está, a Deus, que sem Ele nada é.

Feliz Natal!
S.Star








Nas vésperas do Natal (ou Boas Festas I)

(a fazer vapores de eucalipto...)

Querido Peixe,
Bendito o momento em que decidi tirar férias no dia 26 de Dezembro!
Sabe tão bem ficar a descansar em casa, ou passear pelas ruas ensolaradas, depois destes dias tão intensos: ainda mais trabalho, as prendas de última hora, as visitas aos clientes em "operação charme de Natal", os almoços de Natal dos amigos e da empresa, o envio dos cartões de Boas Festas (graças a Deus pela internet e pelos e-cards!), a boa da constipação e a super-boa da gripe, e frio, oh! meu Deus tanto frio!!

E porque do passado só ficam as memórias e as fotografias, deixo-lhe alguns instantes: a igreja de Cacilhas, memória do jantar de aniversário da Tatá (são sempre dias inesquecíveis); Lisboa na manhã muito fria de terça-feira, 19; operação "charme de Natal" na Universal McCann e almoço de Natal da empresa no Hard Rock Cafe, quinta-feira (à tarde, a constipação instalou-se para ficar, mas ainda dei luta e levantei-me na 6ªfª para acompanhar os colegas ao Banco Alimentar contra a Fome, um donativo em recursos humanos da nossa empresa; claro que à hora do almoço caí k.o. na cama).


S.Star

Friday 15 December 2006

O tempo que passou

(durante o almoço, a boa da reflexão...)

Querido Peixe,

Fez duas semanas que fui apresentada ao Rei e o Homem que tinha sido, um livro fininho de páginas ilustradas ao jeito infantil, de toque macio a convidar à leitura.
Dois dias antes, telefonara-me o nosso amigo Fernando Girão a dizer-me que a Editora Papiro havia publicado o livro do Hugo que pai e filho gostariam muito de que eu estivesse presente no lançamento.
E lá fui eu a caminho do Corte Inglés num dia de Novembro muito frio.
Confesso-lhe que pensei que hoje em dia todo o gato pingado toma ares de escritores e que há sempre uma editora novinha-em-folha à procura de novos autores.
E durante a viagem de metro, dei comigo a olhar para o tempo em que também eu tive uma editora novinha-em-folha-à-procura-de-novos-autores.
Foi um tempo difícil, aquele em que estive entregue ao meu sonho num esforço ingratamente herculeico de levar a bom porto as expectativas de autores, distribuidores, livreiros e leitores. E falhei, falhei tão redondamente quanto redondo é um zero – pior, milhares de euros abaixo de zero.
Lá cheguei à sala reservada para o evento e, embrulhada na écharpe e de luvas calçadas, espreitei à procura do Fernando e eis que vi, ali ao fundo, o tal livrinho tímido.
Outra confissão, durante a leitura feita pelos apresentadores vagueei num saudosismo feito num eventual regresso à editora. Quando, por fim, o Hugo falou pousei os pés na Terra e fui tomando consciência do que me rodeia, aqui-e-agora.
A timidez do livro seduziu-me e agora tem prioridade sobre O chão que ela pisa.
Saí da sala e olhei uma última vez para trás, despedi-me de antigas expectivas e sosseguei o tempo que passou. Amanhã são outros sonhos por cumprir.

Certa de que há uma realização completa dos meus sonhos*, caminho agora segura.
Sua,
S.Star

* Lucas 1:45

Sunday 10 December 2006

Genus irritabile vatum* ou Há semanas assim

(ando pr’aqui a escolher o que ouvir…Duke Ellington? talvez…)

Querido Peixe,

Há semanas cujas expectativas e o humor** dão (quase) cabo de nós e esta foi uma delas.
Na 4ªFª, passei a manhã no Hospital Santa Maria na consulta regular e, como o peixinho bem sabe, a expectativa de ficarmos sentados numa sala-de-espera dum hospital consome-nos lentamente e mói, mói… É um exercício físico que envolve um esforço tal que, acabada a consulta, sentimo-nos cansados, mesmo muito-e-tanto cansados que só nos apetecer deitar e dormir, não é?
Agora, o que fez a semana tornar-se explosiva foi esse fenómeno*** natural que é a menstruação e a correspondente TPM.
Portanto, se em dias TPM doutros meses sou pura corrosão, imagine-me esta semana a comer colegas ao pequeno-almoço!
Dito assim até parece que faço parte dessa legião de mulheres que detestam estar menstruadas (dizem elas) e que resumem a condição feminina a um rol de queixumes cataclistícos.
As mulheres olham-me horrorizadas, os homens olham-me pelo rabinho do olho desconfiados…
Está pr’aí a sorrir? Maroto…
E diga-me cá, mas por que razão haveria eu de considerar os homens “sortudos”?
Coitadinhos, é acordar com o cabelo todo espetado e o corpo suado; fazer a barba todos os dias e sabe Deus a agressão que a pele sofre (também é verdade que é um esfoliante); estar à mercê das hormonas 24 horas por dia, com variações de humor a cada hora; atravessar o inverno sem sentir as pernas de tão gélidas que devem ficar com as calças como única protecção contra o frio e a chuva (há collants para homens, será que é cómodo?); e ter calor no verão de tanto pêlo no corpo (se calhar, é por isso que não ouvem nem cheiram bem…); urinar de pé, sem poder entregar o corpo ao puro relaxe… (no inverno até dá jeito, não apanham frio no rabo); no verão, não poder sair para a rua vestindo umas calças e sem cuecas (oh!, saudades de usar saias no verão!).
Sorte temos nós, as mulheres!
Ao nosso dispôr mil-e-uma formas de ultrapassar obstáculos: pêlos? Depilação com gillete, com cera, a lazer, fotodepilação; menstruação? Pensos fininhos, pensos com abas, pensos super-hiper-absorventes, pensos de todos os tamanhos e formas e cores, pensos que dão pontos e se trocam por t-shirts ou tangas, tampões; dores? Ui, as farmacêuticas enriquecem a cada dia!; pele com imperfeições? Base e maquilhagem para todas as bolsas e gostos; pele velha, ou mista, ou seca, ou oleosa? Há um creme pra tudo; frio? Olhó colã!
Sabe, peixinho, às vezes pergunto-me em que ponto da evolução (e da História) as mulheres tornaram-se tão azedas, e sensaboronas, e cataclísticas.
Possivelmente quando, em vez terem dado atenção ao homem que estava a seu lado, deram ouvidos à tonta da cobra.

Viva as maminhas verdadeiras, viva a menstruação, viva as compras (vale tudo, que mulher-que-é-mulher adora comprar), viva as lágrimas e viva o riso-perdido, viva a depilação e os salões-de-beleza, viva o risquinho preto e a sedução, viva Eu!

Sua,
Gaja-muito-gaja, Sandrita Star



* “A raça irritável dos poetas”. Epístolas de Horácio II, 2, 102,

** s.m., do latim humore. “Qualquer fluido contido num corpo organizado: o sangue, a bílis, o pus são humores. Disposição do espírito, do temperamento, natural ou acidental: estar de bom, de mau humor.” Dicionário Lello

** s.m., do grego phainomenon, do latim phaenomenon. “Tudo o que é percebido pelos sentidos ou pela consciência: fenómenos externos, fenómenos internos. Facto natural que impressiona a vista e a imaginação: os meteoros são fenómenos. Ser ou objecto que tem alguma coisa de extraordinário, de surpreendente. Pessoa que produz sensação pelos seus talentos, pelas suas acções. Coisa rara.” Dicionário Lello

Sunday 3 December 2006

La Matadora

(ouvia Dave Brubeck...)

Peixinho-meu,

Se há situações que nos distraiem da persecução dos nossos objectivos, outras há que nos alertam, qual reclame luminoso acende-apaga-acende, para a urgência de os cumprir.
E não basta pedir diariamente a Deus que nos conceda os desejos do nosso coração, é preciso agir: umas vezes, activando esse instrumento chamado fé; outras, agindo em conformidade com o que pedimos; a maioria das vezes, recusando ser o efeito duma causa destrutiva; e todas as vezes, sendo cada vez mais e melhores.
Há quem diga que se eu não tivesse tido esta doença e esta deficiência não seria assim tão persistente, que teria sido uma derrotada em vez duma lutadora.
Diz quem se contenta com uma mediocridade existencial que exaspera.
O que poucos sabem, peixinho d’oiro, é que o que realmente me satisfaz é a excelência – o Muito bom ou o Muito mau, mas sempre-e-para-sempre o excelente.
Porque houve tempos em que para alcançar o excelente bebi até perder a consciência e, como não foi suficiente, matei-me duas vezes.
Claro que para os assassinos a linha entre o Bem e o Mal é muito ténue, o que subsiste sempre-e-para-sempre é a tal excelência que nos leva “mais alto, mais longe, mais rápido”.
Tive a minha sentença e preparei-me para cumprir pena numa prisão de máxima segurança, mas obtive amnistia divina e percebi qual o caminho que mais favoravelmente me leva à Perfeição.
E eduquei a minha mente criminosa a construir: escolho o desafio e imagino o prazer que terei quando o concretizar; fixo-o exactamente como fixava a minha vítima e não desvio o olhar dele; estudo ao mais pequeno pormenor todas as formas de o alcançar e opto pela que mais se adequa; e elimino todos os obstáculos da mesma forma com que matava tudo e todos os que se entrepunham entre mim e a minha vítima.
Bem vistas as coisas, não sou uma lutadora… sou uma matadora!


Amanhã, vou vestir Prada.
S.Star