Carta ao Peixe/ Writing to Mr.Fish

«Deus não nos deu um espírito de cobardia, mas um espírito de poder, de amor e de bom juizo.» «For God hath not given us the spirit of fear; but of power, and of love, and of a sound mind.»

Sunday 29 October 2006

Dicionários & Gramáticas

Querido Peixe,
A pedido de muitas famílias, reabilito uma das cartas que lhe escrevi em 2004 - esta foi no dia 7 de Maio - cujo conteúdo continua (sempre) actual.
Um Kiss,
S.Star
***

(entre dicionário, gramática e prontuário, a teclar furiosamente…)

Ainda no outro dia, estivemos a conversar sobre o poder que é falar para os outros, escrever para os outros. Está recordado?
Tal como todos os poderes, este também pressupõe direitos e deveres, porque a autoridade é proporcional à responsabilidade.
Ora, eu tenho verificado que quem fala-e-escreve-para-os-outros está abusando do poder que lhe foi confiado: autoriza o erro e foge à responsabilidade de o perpetuar dia após dia.
Trocado por miúdos, diz-se e escreve-se erro atrás de erro e a malta, que já não é muito dada ao Português, fica toda contente, porque, afinal, o que o “cromo” lhe explicou ser erro não é. Nem mais. E o cromo continua a ser colado na “caderneta”.
Escreveu o apóstolo Paulo, na Carta aos Romanos, que a fé é pelo ouvir e o ouvir pela palavra de Deus (Romanos 10:17).
Queria ele dizer, e muito bem, que a aprendizagem se faz ouvindo. Pois claro, então, quando se quer fixar uma mensagem escrita não é costume lê-la em voz alta? Lembra-se de como aprendeu a tabuada? Ora aí tem.
Continuando o raciocínio de Paulo, presta-se atenção à voz de quem? À voz das pessoas que reconhecemos como autoridade em determinadas matérias. O professor (bom, nem sempre…), os pais e os avós (duvido que as crianças ainda prestem atenção aos pais… ou vice-versa, mas enfim), aos escritores, ao músico predilecto, ao pivot do telejornal, ao médico, e o rol é grande.
Até aqui, parece tudo muito bem, não é?
Pois, o problema surge quando os potentados vão “de encontro” à Língua e, de choque-em-choque, permitem que os outros (a malta) “deiam” cabo dos cromos do Português que, desacreditados, nem para a troca servem.

Peixinho-meu, já se deu conta de que qualquer dia acordamos no “hades”, sem possibilidade de redenção? Até lá, é preciso “dá-le” muito no dicionário e na gramática…

Sua,
S. Star
(e mais um cromo para a sua colecção :) )

Saturday 28 October 2006

Lisboa



Querido Peixe,

De cada vez que desço a Rua das Taipas em direcção ao emprego, páro sempre aqui...


Não me recordo das horas que eram quando tirei esta fotografia, mas é de manhã que mais aprecio esta vista.

S.Star

Tomei consciência

(a ouvir Pedro Abrunhosa enquanto faço apresentações em Powerpoint, recorto mais revistas e componho o blog…)

Querido Peixe,

Ao ouvir este CD do Pedro Abrunhosa recordo-me do concerto que assisti no pavilhão Atlântico e do tempo em que ainda tinha a editora. Foi apenas há 2 anos e, no entanto, parece-me que se passou uma eternidade.
Desde que o meu pai faleceu que a minha percepção do tempo alterou-se e ainda que a noção do tempo linear e contínuo persista, esta já não a “eleita”: há dias em que existo quando tinha 2 anos de idade; há dias que existo ao lado dos meus avós, e do meu pai, e da Célia; há dias em que olho para a minha mãe e ela ainda é nova e a minha mana um bébé; há dias em que a minha percepção do finito é tão devastadora quanto é a minha esperança na (da) eternidade.
Dizem-me quem já perdeu um pai (ou mãe) que é mesmo assim. Então, paciência que se lixe!
Mas, peixinho d’oiro, o certo é que desde então este viver-existindo-noutro(s)-tempo(s) fez mais por mim do que antes: passei a tomar consiência de que todos os meus verbos (viver, comer, respirar, dormir, recordar, trabalhar, etc.), por mais insignificantes que sejam, são objecto da minha atenção – porque, com eles aprendo.
E ultimamente, graças a Deus, a aprendizagem mais importante foi dar-me conta dos meus erros e, o melhor de tudo, pedir perdão por eles.
Compreendo agora por que tanta coisa falhou na minha vida.
Sabe, querido peixe, deveria ter confiado em Deus e preferi investir em trabalhos cujo âmago me eram desagradáveis, permiti que o conselho dos outros turvasse a sinceridade dum amor, coloquei a minha presunção à frente da comunhão e substimei Deus. E foi preciso que ele se afastasse abruptamente para que eu me desse conta de tudo isto…

Peixinho, quando Deus entra na nossa vida tornamo-nos numa criatura nova, mas a consciência desta transformação não é imediata - porém, quando isso acontece e, por mais penoso que seja perceber o quanto errados estavamos, é maravilhoso!!
Porque significa que temos aqui-e-agora outra oportunidade :)

Solta-te a voz lá fundo/ Grita, mostra-me a cor do céu”*
S.Star

*
Pedro Abrunhosa

Monday 23 October 2006

São "fogo que arde [aqui dentro] sem se ver"

(escuto o som das teclas…)

Peixinho-meu,

De cada vez que abri a computadeira para lhe escrever arrependi-me e voltei a fechá-la, rapidamente, a tentar ser mais rápida do que o arrependimento.
Vontade de lhe escrever tenho sempre, sabe que sim, mas há alturas em que gostaria de escrever o silêncio… De todas as coisas que amo na minha mana e no sr. dr. a mais maravilhosa é poder partilhar(mos) o silêncio. É quando os sinto cá dentro de mim, em mútuo respeito.
Já lhe disse que eles são maravilhosos?
E são…
Maravilhosos quando sorriem e riem, maravilhosos quando estão concentrados, maravilhosos quando estão enfurecidos, maravilhosos quando me olham nos olhos e maravilhosos quando inclinam a cabeça, maravilhosos quando são teimosos, maravilhosos quando encantam e maravilhosos quando são uns chatos, maravilhosos porque me fazem amá-los mais e mais.
Hoje e apesar de estar cansada (ó meu Deus!, dá-me força que ainda só é Segunda-feira!), abri a computadeira e não me arrependi… Quis contar-lhe o que aprendi nestas duas semanas e até ordenei o pensamento para não me perder, mas Deus trocou-me as voltas e eu, que vinha contar-lhe cheia de melancolia precisamente o que Deus me ensinou, estou a declarar-lhe “o fogo que arde [aqui dentro] sem se ver”!
E desvio o olhar do monitor e sinto a gargalhada do sr. dr., e à medida que escrevo esta frase sinto a minha mana chamar-me “mana!”. E é bom.

Tenho um grande sorriso, porque esta bênção é mais outra prova da existência de Deus. Viva o método cartesiano!

Num mundo de castanhas assadas, azeitonas com mousse de manga (ou mousse de manga acompanhada de cerveja preta) e viagens de eléctrico n.º28,
Ser estrelita

Moda Lisboa 2007




Querido Peixe,

A seco.

S. Star

Saturday 7 October 2006

Há dias em que as estrelas não se vêem

(vou sentar-me aqui na poltrona a olhar para si, gosto de olhar para si)

Querido Peixe,

Presa entre o fim-do-verão e o pré-outono, sinto-me desorientada.
Sinto no ar o cheiro da chuva, e do frio, e dos dias escuros, apetece-me avançar sem medos nem tédios e a passo largo para o inverno e, no entanto, este calor velho-e-sem-vida cola-se-nos à pele e à alma como a peste.
Todos os anos, o embro e o out dão comigo em doida.
Consegue imaginar a Grace Kelly, ou a Elisabeth Taylor, vestida de arlequim cantando as músicas da Floribela?! Pois é como me sinto e se apanho o realizador empalo-o no Rossio!
E este ano a coisa está muito pior: não posso ir às compras, porque não há roupa que me seduza, mala que me fascine, sapatos que me cativem; não há livro que me apeteça ler, nem filme que me faça sair de casa, nem espectáculo que me emocione (fui ver o “Cats” e estou na mesma); as amigas entediam-me até à depressão e os homens são apenas um género.
E as saudades apertam-me o ser a ponto de temer um ataque cardíaco: saudades do verão, saudades do meu pai, saudades do sr. dr..
Olho à minha volta, percorro as paredes da sala forradas a livros… gosto muito de admirar esta sala, as prateleiras arrumam memórias… ali, o Pantagruel que o meu pai ofereceu à minha mãe, mais acima o Doze Meses de Cozinha e O Grande Livro da Costura que a minha mãe encomendou (a Selecções do Reader’s Digest ofereceu uma tesoura espectacular que ainda hoje corta tecido como se fosse nova)… aqui o dicionário Lello de 1978 (ainda me recordo do dia em que o meu pai o trouxe cá pra casa) e na prateleira mesmo acima o dicionário do automóvel (comovi-me quando, há uns 2 anos atrás, a minha mana foi consultá-lo… como fazia o meu pai)… e além, o busto em pau-preto dum negro de Moçambique que os meus avós paternos trouxeram em 1957… agora, olho lá pra cima, a 10 cms do tecto… os nossos livros da Anita*

Peixinho-meu, enquanto não se contrata um realizador à altura do espectáculo, eu vou buscar o escadote e trepar até aos livros da Anita.

Porque há dias em que as estrelas não se vêm aqui da Terra,
S.Star


* A Anita faz hoje 50 anos.