Carta ao Peixe/ Writing to Mr.Fish

«Deus não nos deu um espírito de cobardia, mas um espírito de poder, de amor e de bom juizo.» «For God hath not given us the spirit of fear; but of power, and of love, and of a sound mind.»

Sunday 13 August 2006

Amendoeira, estoraque e plátano

(estou ouvindo Charles Mingus, e Stan Getz, e Dean Martin, e Sarah Vaughan, e todos num CD fantástico)

Peixinho-d’ouro,

Estou pr’aqui a reflectir nas pessoas, nas conversas que tenho com elas, nos seus estados d’alma… desamores, desilusões, resignação, baixa auto-estima.
Já me conhece, calço as botas-das-sete-léguas e num instantinho estou no território da semântica* – vamos lá ao dicionário desvendar o mistério de tanta tristeza.

Desamor – s.m., falta de amor devido; desdém, indiferença; aborrecimento.
Resignar – do latim resignare, verbo transitivo: desistir (de um benefício ou cargo) a favor
de outrém; renunciar a; abdicar de; verbo reflexo: conformar-se.
Desilusão – s.f., perda da ilusão; desengano;decepção.
Auto-estima – s.f., estima por si próprio; opinião favorável de si mesmo.

Ora, reunidas as pistas, por onde começar a “investigação”?
Excepção à regra, vou começar pela última palavra que, afinal-afinal, é o despoletar da acção: haverá alguém que, no seu perfeito juízo, se atraia por outra que seja feia, sem préstimo e inerte, desmazelada e sem graça?! E haverá alguém que espere ansiosamente por jantar com outra cujo objectivo de vida é construir uma sólida opinião desfavorável de si própria? O olhar “puxa-nos” para pessoas que são bonitas e cheias de vida, com verve e élan. E o espírito anima-se na presença de pessoas dinâmicas que sabem o que querem e que se orgulham disso.
Mas, isto é senso comum.
Então, qual o motivo do desamor, essa falta de amor devido, esse aborrecimento que gera a indiferença do outro?
O senso é comum, mas não é lá muito sensato… e, em vez de dizer és uma pessoa bonita, diz vai-te pôr bonita pró gajo cair de quatro por ti. Hã?! “cair de quatro”?! Não se espera que “ele” caia, quer-se é que se levante, nos convide para jantar e ande connosco.
É a primeira mentira e somos nós que a construimos: o importante é a aparência, que significa “forma exterior de uma coisa ou pessoa”, mas também “ilusão; disfarce”.
E, porque se considera que Deus está distante e velho, resigna-se a ouvir os conselhos do comum cujo senso é imperfeito – resultado? Ao fim de vários encontros e muitos beijos-e-abraços, os disfarces são descurados e os agentes à paisana dizem-se desiludidos.

Por isso, meu peixinho, é urgente eliminar o vírus que bloqueia o sistema para que o software trabalhe-e-bem e rentabilize o investimento feito no hardware.

Eu já tinha lido a história de Jacob tantas vezes quantas as que li a Bíblia (desde há 5 anos, talvez mais, em leituras loop – de Génesis a Revelação, sem parar), mas só ontem o A. chamou a minha atenção para o pormenor das varas.
Eu explico-lhe, peixinho-d’ouro.
Depois do seu filho José ter nascido, Jacob disse ao sogro Labão que queria regressar à sua terra. Ora, como Jacob tinha trabalhado para o sogro durante vários anos, Labão perguntou-lhe qual o salário que queria receber. Jacob pediu-lhe que separasse de todo o rebanho as ovelhas e as cabras que fossem malhadas, salpicadas e castanhas-escuro e lhas desse. Labão ficou todo contente, já que estes animais não eram muitos.
Mas, perplexidade das perplexidades, foi assim que Jacob começou a prosperar… Quer saber como?
Jacob cortou varas de determinadas plantas (amendoeira, plátano e estoraque) e foi colocá-las nos locais onde se reunia o rebanho. Ora, estas plantas eram afrodisíacas para os animais (não me pergunte como!), pois cada vez que eles as viam, ou as cheiravam, ficavam com o cio :) . **

E é necessário fazer o mesmo para acabar com a tristeza e cultivar uma opinião favorável de si mesmo: repetir vezes-sem-conta sou uma pessoa bonita, investir nas nossas competências, ter brio naquilo que somos e no que fazemos; se for preciso colar post-its para nos lembrarmos de que sou óptimo profissional, ou gosto do meu corpo, ou eu sou inteligente, ou qualquer-coisa, força! Porque estamos a construir uma realidade em vez duma ilusão e a realidade é que o verdadeiro amor é sempre bonito e eterno.
Da eternidade à eternidade,
S.Star

*Do gr. semantiké [tékhne], “a arte da significação”.
** Em versão super-resumida, mais pormenores em Génesis 30:25-43.