Carta ao Peixe/ Writing to Mr.Fish

«Deus não nos deu um espírito de cobardia, mas um espírito de poder, de amor e de bom juizo.» «For God hath not given us the spirit of fear; but of power, and of love, and of a sound mind.»

Sunday 24 September 2006

AMIGAS



(Querido Peixe, hoje resolvi escrever às minhas amigas, àquelas que não me cobram pelas suas escolhas, mas que as partilham comigo; escrevo às amigas que são minhas, porque eu sou delas...)


Gostei tanto e muito, e outra vez tanto, do nosso jantar.
Isto de entrar num restaurante muito bem acompanhada e explorá-lo em sucessivos êxtases de sensações é sublime. É bom.
Porque eu gosto de comer, e muito, gosto de sentir a comida na boca a fazer cócegas e mimos, gosto de senti-la deitada na língua, gosto de trincar a comida e mastigá-la como quem beija e abraça.
Pois, sou voluptuosa.
Mas, é assim, em beijos e abraços que me deixo levar à loucura – e que loucura deliciosa foi o jantar!
Não fora ter ainda tantos outros sítios para visitar e outros tantos êxtases para sentir, teria ficado ali, deitada no chão a dormir até de manhã para que, quando acordasse, fosse outra vez seduzida pela comida.
Temos de fazer uma visita pelos restaurantes desta cidade, sempre em busca da surpresa e da sedução – depois, fazemos um livro, um guia semelhante ao Michelin.

Também se poderá intitular Michelin, já que por alturas de o escrevermos estaremos tão gordas quanto o boneco pneumático! Gordas, mas aboslutamente lindas.
Claro que para perdermos peso escreveremos outro guia, desta vez um guia dos melhores SPAs do país – eu já nos imagino nas massagens, nos banhos, nas saunas, apanhando sol e respirando ar puro, inalando essências puras de Olimpus e bebendo chás para deusas com maminhas firmes e hirtas.
Não será necessário, antes, é escusado engordarmos para frequentar um SPA, temos direito a fazê-lo já – para comemorar, tal como fizemos, iremos a um SPA.
Comemorar.
Comemorar a dádiva de te ter conhecido, comemorar o teu sorriso, comemorar a vida que a cada instante se molda e adapta para vencer a morte.
Tens razão, celebro sempre o fim. Celebro sempre o fim. Não, linda, não é “fim”, é meta, é vitória. Sim, celebro sempre a vitória. Não posso disperdiçar tempo nas incertezas, não posso dar o que não tenho e não tenho tempo, e o tempo que tenho é tempo para encher de segundos, e minutos, e horas, e dias, e meses de Fé: expectativa certa de coisas esperadas, a demonstração evidente de realidades ainda não observadas.*


Observa-me melhor: não vês tu nos meus olhos a evidência dos teus sonhos?

S.Star

* Hebreus 11:1.

Friday 8 September 2006

O Prejuizo

(de unhas pintadas de fresco, ouço Billie Holiday enquanto digo pra mim mesma que amanhã hei-de conseguir atravessar, sã-e-salva, o casamento da M. e do L. nas mules)

Meu Peixe,

Depois de ter almoçado com a prima e no regresso a casa, entre pára-arranca do autocarro, dei por mim a questionar se serão os preconceitos que impedem as pessoas de agarrarem a felicidade ou se serão as pessoas que têm medo de ser felizes. E se tanto os preconceitos como o medo de ser feliz não são apenas uma carência (arrisco ausência) de amor?
Hum… preconceito, medo, amor… parece que estou a recuar no tempo e a ouvir “guerra, fome, peste negra” – a guerra trazia a devastação dos campos e de barriga vazia os povos sucumbiam à peste.
Claro que por alturas de chegar à porta de casa já ia eu num tal emaranhado de pensamentos que tive de recorrer a “ajuda profissional”:
Preconceito – s.m., conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério ou

razoável; prejuizo; superstição.*
«No amor não há medo, mas o perfeito amor lança fora o medo, porque o medo

exerce uma restrição. Deveras, quem está em medo não tem sido aperfeiçoado no amor.»**

E, qual experiência de laboratório, arrisquei mudar uma variável a ver se a resposta ficaria (mais) clara:
No amor não há medo, mas o perfeito amor lança fora o medo, porque o medo exerce um

prejuizo/preconceito. Deveras, quem está em medo não tem sido aperfeiçoado no amor.

Fiquei triste.
Pensei que, se calhar, a L. não ama o suficiente; pensei que, se calhar, “alguém” não amou.
Percebi que, afinal, nas relações o preconceito não diz respeito a um conceito, mas sim à ausência de amor. Percebi que, afinal, há post-it que são o último recurso de quem tentou dizer-nos és especial, mas eu não te amo.

Sem preconceitos, eu amo-o.

S.Star

* Dicionário da Língua Portuguesa.
**
1 João4:18

Thursday 7 September 2006

TRUQUES-E-TOMATES

(a ouvir John Coltrane Coltrane for Lovers)

Querido Peixe,

Uma vez, há muito tempo atrás, no tempo que éramos crianças e o meu pai brincava connosco (brincou até ao fim, e nós herdámos os genes brincalhões, desses que nos impelem a brincar ao macaquinho-do-chinês aos 35 anos!), eu, a mana e os primos pedimos-lhe para nos ensinar judo.
Se a memória não me prega uma partida, foi numa daquelas alturas em que estavamos os cinco todos-ao-molho-e-fé-em-Deus a rir e a gritar.
E quando fizémos o tal pedido, o meu pai parou e endireitou-se, tornou-se ainda mais gigante (ele era muito alto) e, mexendo no cabelo como só ele fazia, respondeu-nos fria e peremptoriamente: o judo que aprendi na tropa foi para matar e nunca vos hei-de ensinar isso!
Outra vez, há já algum tempo, no tempo em que tinha vinte-e-picos, fui assaltada na paragem do autocarro. Fiquei furibunda e quando cheguei a casa pedi, outra vez, para me ensinar uns truques.
Manteve-se fiel à promessa que fez.
Tive de me contentar com um primeiro, mete-se os dedos nos olhos com força e depois dás com toda a força nos testículos. Sim, ele disse mesmo testículos
O meu pai nunca nos bateu. Tanto ele como o meu avó major e Deus ensinaram-nos que existem outras formas de exercer influência e de veicular autoridade e disciplina
Mais uma vez, há tão pouco tempo que foi na segunda-feira passada, os colegas de emprego foram brutalmente agredidos por alguém que, reclamando um direito, perdeu a razão, a honra, a dignidade.
Nesse dia à noite, pedi a Deus uma explicação: « Mas estes [homens], iguais a animais irracionais, nascidos naturalmente para serem apanhados e destruídos, nas coisas que em que são ignorantes e falam de modo ultrajante sofrerão a destruição até mesmo no seu próprio [proceder de] destruição, fazendo a si mesmos injustiça em recompensa de fazerem injustiça.» *
Orei, então, a Deus para que iluminasse aquela pessoa tão cheia de truques e de colhões, de raiva e de ódio – porque todos nós, ao recusarmos quebrar o padrão de violência em que vivemos, estamos a tecer a nossa própria destruição.


Peixe-querido, o meu pai lutou na Guerra do Ultramar - nunca o disse, mas há palavras que estão lá dentro nos olhos e, tal como os outros que estavam em zona 100% de risco, deve ter visto e cometido atrocidades, que não se vai pr’á guerra para jogar ao bingo-das-palavras.

S.Star


* 2Pedro2:12-13

Tuesday 5 September 2006

E haverá sextas-feiras até à eternidade


(de férias, entre telefonemas e novos projectos, ponho em dia a escrita…)

Peixe querido,

Já toda a gente sabe que a sexta-feira é o dia é mais completo da semana.
À sexta-feira, fica para trás uma semana repleta de trabalhos, de “dores de cabeça”, de divergências e de risos, de horas-extras e de atrasos, de “pratos do dia” anti-dietéticos, de viagens casa-emprego-emprego-casa, de falta de descanso e de tanta energia consumida.
À sexta-feira, ainda nos resta um dia de trabalho e é sempre às 17h e 58m de todas as sextas-feiras que toca o telefone com mais uma questão para resolver.
À sexta-feira, desligamos o despertador exaustos, mas a miragem do fim-de-semana conduz-nos, sedentos, por mais uns kilómetros de areia e sol.
À sexta-feira, fazemos planos para mais um esplêndido fim-de-semana e delineamos novas estratégias para arrumar a casa até ao meio-dia de sábado. Por isso, damos o tudo-por-tudo e trabalhamos melhor do que nunca – afinal, a esperança é a última a morrer e haverá sextas-feiras até à eternidade.
Mas, esta sexta-feira, dia 25 de Agosto, foi especial…
Na véspera (as quintas-feiras sofrem do complexo das vésperas), estivémos cá em casa a falar nela e a partir das 11h do dia seguinte, agarrei o auscultador do telefone e marquei o indicativo de Espanha – sem êxito até chegar a casa às 19h e ouvir a voz dela cansada mas feliz.
Foi o dia das “apresentações oficiais”: finalmente, o Marcos conheceu a mamã e o papá, os avós, as tias e os tios, e respirou e descobriu o mundo.
O Marcos mostrou de que fibra é feito: um fazedor de planos para uma vida esplêndida, um estratega nato cheio de fé que dá o tudo-por-tudo para trabalhar mais e melhor - afinal, a eternidade é dele.

Vou perguntar-lhe se posso mostrar a si, peixinho, a fotografia do Marcos.

A si, peixinho-dos-meus-sonhos, um dia cheio de esperança J
S.Star