Carta ao Peixe/ Writing to Mr.Fish

«Deus não nos deu um espírito de cobardia, mas um espírito de poder, de amor e de bom juizo.» «For God hath not given us the spirit of fear; but of power, and of love, and of a sound mind.»

Sunday 10 December 2006

Genus irritabile vatum* ou Há semanas assim

(ando pr’aqui a escolher o que ouvir…Duke Ellington? talvez…)

Querido Peixe,

Há semanas cujas expectativas e o humor** dão (quase) cabo de nós e esta foi uma delas.
Na 4ªFª, passei a manhã no Hospital Santa Maria na consulta regular e, como o peixinho bem sabe, a expectativa de ficarmos sentados numa sala-de-espera dum hospital consome-nos lentamente e mói, mói… É um exercício físico que envolve um esforço tal que, acabada a consulta, sentimo-nos cansados, mesmo muito-e-tanto cansados que só nos apetecer deitar e dormir, não é?
Agora, o que fez a semana tornar-se explosiva foi esse fenómeno*** natural que é a menstruação e a correspondente TPM.
Portanto, se em dias TPM doutros meses sou pura corrosão, imagine-me esta semana a comer colegas ao pequeno-almoço!
Dito assim até parece que faço parte dessa legião de mulheres que detestam estar menstruadas (dizem elas) e que resumem a condição feminina a um rol de queixumes cataclistícos.
As mulheres olham-me horrorizadas, os homens olham-me pelo rabinho do olho desconfiados…
Está pr’aí a sorrir? Maroto…
E diga-me cá, mas por que razão haveria eu de considerar os homens “sortudos”?
Coitadinhos, é acordar com o cabelo todo espetado e o corpo suado; fazer a barba todos os dias e sabe Deus a agressão que a pele sofre (também é verdade que é um esfoliante); estar à mercê das hormonas 24 horas por dia, com variações de humor a cada hora; atravessar o inverno sem sentir as pernas de tão gélidas que devem ficar com as calças como única protecção contra o frio e a chuva (há collants para homens, será que é cómodo?); e ter calor no verão de tanto pêlo no corpo (se calhar, é por isso que não ouvem nem cheiram bem…); urinar de pé, sem poder entregar o corpo ao puro relaxe… (no inverno até dá jeito, não apanham frio no rabo); no verão, não poder sair para a rua vestindo umas calças e sem cuecas (oh!, saudades de usar saias no verão!).
Sorte temos nós, as mulheres!
Ao nosso dispôr mil-e-uma formas de ultrapassar obstáculos: pêlos? Depilação com gillete, com cera, a lazer, fotodepilação; menstruação? Pensos fininhos, pensos com abas, pensos super-hiper-absorventes, pensos de todos os tamanhos e formas e cores, pensos que dão pontos e se trocam por t-shirts ou tangas, tampões; dores? Ui, as farmacêuticas enriquecem a cada dia!; pele com imperfeições? Base e maquilhagem para todas as bolsas e gostos; pele velha, ou mista, ou seca, ou oleosa? Há um creme pra tudo; frio? Olhó colã!
Sabe, peixinho, às vezes pergunto-me em que ponto da evolução (e da História) as mulheres tornaram-se tão azedas, e sensaboronas, e cataclísticas.
Possivelmente quando, em vez terem dado atenção ao homem que estava a seu lado, deram ouvidos à tonta da cobra.

Viva as maminhas verdadeiras, viva a menstruação, viva as compras (vale tudo, que mulher-que-é-mulher adora comprar), viva as lágrimas e viva o riso-perdido, viva a depilação e os salões-de-beleza, viva o risquinho preto e a sedução, viva Eu!

Sua,
Gaja-muito-gaja, Sandrita Star



* “A raça irritável dos poetas”. Epístolas de Horácio II, 2, 102,

** s.m., do latim humore. “Qualquer fluido contido num corpo organizado: o sangue, a bílis, o pus são humores. Disposição do espírito, do temperamento, natural ou acidental: estar de bom, de mau humor.” Dicionário Lello

** s.m., do grego phainomenon, do latim phaenomenon. “Tudo o que é percebido pelos sentidos ou pela consciência: fenómenos externos, fenómenos internos. Facto natural que impressiona a vista e a imaginação: os meteoros são fenómenos. Ser ou objecto que tem alguma coisa de extraordinário, de surpreendente. Pessoa que produz sensação pelos seus talentos, pelas suas acções. Coisa rara.” Dicionário Lello

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