Carta ao Peixe/ Writing to Mr.Fish

«Deus não nos deu um espírito de cobardia, mas um espírito de poder, de amor e de bom juizo.» «For God hath not given us the spirit of fear; but of power, and of love, and of a sound mind.»

Saturday 7 October 2006

Há dias em que as estrelas não se vêem

(vou sentar-me aqui na poltrona a olhar para si, gosto de olhar para si)

Querido Peixe,

Presa entre o fim-do-verão e o pré-outono, sinto-me desorientada.
Sinto no ar o cheiro da chuva, e do frio, e dos dias escuros, apetece-me avançar sem medos nem tédios e a passo largo para o inverno e, no entanto, este calor velho-e-sem-vida cola-se-nos à pele e à alma como a peste.
Todos os anos, o embro e o out dão comigo em doida.
Consegue imaginar a Grace Kelly, ou a Elisabeth Taylor, vestida de arlequim cantando as músicas da Floribela?! Pois é como me sinto e se apanho o realizador empalo-o no Rossio!
E este ano a coisa está muito pior: não posso ir às compras, porque não há roupa que me seduza, mala que me fascine, sapatos que me cativem; não há livro que me apeteça ler, nem filme que me faça sair de casa, nem espectáculo que me emocione (fui ver o “Cats” e estou na mesma); as amigas entediam-me até à depressão e os homens são apenas um género.
E as saudades apertam-me o ser a ponto de temer um ataque cardíaco: saudades do verão, saudades do meu pai, saudades do sr. dr..
Olho à minha volta, percorro as paredes da sala forradas a livros… gosto muito de admirar esta sala, as prateleiras arrumam memórias… ali, o Pantagruel que o meu pai ofereceu à minha mãe, mais acima o Doze Meses de Cozinha e O Grande Livro da Costura que a minha mãe encomendou (a Selecções do Reader’s Digest ofereceu uma tesoura espectacular que ainda hoje corta tecido como se fosse nova)… aqui o dicionário Lello de 1978 (ainda me recordo do dia em que o meu pai o trouxe cá pra casa) e na prateleira mesmo acima o dicionário do automóvel (comovi-me quando, há uns 2 anos atrás, a minha mana foi consultá-lo… como fazia o meu pai)… e além, o busto em pau-preto dum negro de Moçambique que os meus avós paternos trouxeram em 1957… agora, olho lá pra cima, a 10 cms do tecto… os nossos livros da Anita*

Peixinho-meu, enquanto não se contrata um realizador à altura do espectáculo, eu vou buscar o escadote e trepar até aos livros da Anita.

Porque há dias em que as estrelas não se vêm aqui da Terra,
S.Star


* A Anita faz hoje 50 anos.

2 Comments:

Blogger Always said...

Querida Star,

Eu gosto do Outono e do cheiro da terra molhada pelas primeiras chuvas antes do Inverno. Não sinto saudades do Verão porque o Verão dura muito tempo neste país de sol.

Tenho saudades do tempo bom que dura pouco tempo e quando digo 'tempo bom' refiro-me a muitas coisas que nada têm a ver com metereologia. Tenho saudades de momentos felizes que passam num instante pois, como sabes, a felicidade é tão fugaz como a luz de um relâmpago.

Lembro-me dos livros da Anita, mas tenho é saudades da sensação que tive quando li o primeiro livro de "Os Cinco", por exemplo.

E tenho saudades de mim mesma e dos tempos em que acreditava que tudo o que eu admirava e estimava existiria para sempre. Tal como tu tenho saudades do meu pai...

E tenho saudades tuas também. :)

AB

9/10/06 01:20  
Blogger Sandra Marques Augusto said...

Miss Always,

Fiquei a pensar nisso de ter "saudades de mim mesma e dos tempos em que acreditava que tudo o que eu admirava e estimava existiria para sempre"...
Graças às tuas palavras ( e porque Deus fala-nos pela boca dos que nos querem), percebi que, afinal, a minha grande luta tem sido, e será, a de me manter fiel à pessoa que no dia 24 de Fevereiro de 1971 entrou no mundo e de garantir que tudo o que admiro e amo exista para sempre.

Um beijo, desses que tu sabes será para sempre

Ser estrelita

14/10/06 14:37  

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