Quem sou
Querido Peixe,
Aproxima-se o dia da "revelação": no próximo dia 22, vou ao hospital saber duma vez por todas (assim o espero) que tipo de doença tenho eu.
Já falámos algumas vezes sobre as nossas doenças, mas fica sempre algo por dizer, não é?
Até aos 6 anos, a minha doença chamava-se "hipotonia congénita benigna", consistindo numa redução da força muscular, de origem genética e cuja degradação não se previa galopante. E pronto.
Recordo-me de fazer muitos exames, de entrar nos consultórios médicos e andar pr'a lá-e-pr'a cá; recordo-me dos médicos falarem comigo quase a gritar e de fazerem perguntas tolas, a mim que não era (e não sou) surda, e que falo correctamente desde os 2 anos de idade, e que sei ler e escrever desde os 4, e que comecei a utilizar o garfo e a faca aos 2 (fui o orgulho da família, ser ainda bébé e já saber as regras da etiqueta!); recordo-me dos gritos estridentes dos outros meninos que também iam a Alcoitão e que sofriam tanto, tanto; recordo-me de haver meninos que por se babarem e fazerem "disparates" eram quase espancados pelos pais, meninos que viviam numa cadeira de rodas e que olhavam sempre para o tecto.
Mas, aos 6 anos fomos viver para Londres e tudo mudou: encontrei um espaço à altura da minha curiosidade e descobriram que afinal eu tenho uma "miopatia". Nessa altura, chamaram-lhe "mitocondrial".
De todas as coisas boas que Londres me trouxe, a melhor foi deixar de usar as botas ortopédicas e as próteses. Muitos anos depois, já em 2001, passei a frequentar as consultas de doenças neuromusculares do Hospital Santa Maria e aí fiz a 3ª biopsia da minha vida, num relatório que diz que tenho um bocadinho de todo o tipo de miopatias, predominando os tipos "central core" e "centronuclear".
Há pessoas que defendem que se eu não tivesse esta doença não seria como sou.
E como sou eu?
Sou muito pequenina e delicada.
Tenho caracois e olhos grandes, dum verde-azeitona que está sempre a piscar. Dizem que são magnéticos e que penetram na alma.
Ando duma maneira esquisita, assim como andam as pessoas que tiveram um AVC e que lhes custa a levantar as pernas. Há quem diga que deslizo. Mas, todos concordam que danço bem :)
O meu corpo é fraco, mas sou "rija".
Aprendi a tirar partido da minha doença da mesma maneira que uma mulher vistosa tira partido da sua beleza. Aliás, tanto é legítimo a Angelina Jolie esticar as maminhas para as câmaras e pedir ajuda para as crianças como é eu mancar ainda mais para que o funcionário das Finanças se compadeça de mim.
Claro que isto faz muita confusão nas cabecinhas da maioria das pessoas, mas no fundo penso têm inveja de mim: quiseram elas ter a coragem que eu tenho de tornar uma desvantagem numa sobrevivência. É uma questão de audácia e eu corro riscos todos os dias (sobretudo o de cair e rebolar ladeira abaixo até à Av. da Liberdade).
Há quem diga que sou caprichosa e sonhadora (e têm toda a razão!), mas tenho realizado os meus sonhos (até os mais "selvagens"!). À custa de muita luta, é certo, mas o que seria da vida sem o sal e as especiarias?
Sou determinada, motivada e dizem que dou luta. E às vezes, a maior das lutas é conciliar direitos, liberdades e garantias de várias pesssoas...
Adoro desafios e sou desafiadora, sou uma sedutora nata e eternamente feminina.
Creio que tenho carisma e sou inteligente. Dizem que tenho um sentido de humor fabuloso, mas terrível. Assumo as minhas responsabilidades e os meus erros. E sei que tenho tanto de boa pessoa quanto de sacana.
Reconheço como ninguém o poder da informação e não tenho pejo em utilizá-la - talvez seja por isto que sou tão eficaz quanto eficiente.
E tão apaixonada!
Todos os dias tento inventar-me para esquecer de que tenho dores.
Creio que sou forte e sou, sem sombra de dúvida, deficiente.
Sua,
S.Star
4 Comments:
Querida Star,
És tudo o que te descreveste, sem dúvida. Mas esqueceste-te de dizer uma coisa fundamental: és uma pessoa maravilhosa e todos os teus amigos se apaixonam por ti para a vida inteira. És uma estrela que brilha nas vidas de todos quantos têm a sorte de te conhecer. Sou uma das pessoas que têm o privilégio de te ter como AMIGA - sem ti, a minha vida seria mais pobre e cinzenta. Quando eu crescer quero ser como tu. Enquanto sou pequenina, aprendo o que me falta com a tua generosidade e infinita paciência. As estrelas como tu brilham eternamente e fazem toda a diferença nas vidas que iluminam. ADORO-TE. Conta sempre comigo!
UAU! que texto fortíssimo!
Quem fala assim não é gago e eu daqui da minha zona incógnita te saúdo! :)
Miss Always,
Esqueci-me foi de dizer que sou pura admiração por TI!
E para que conste nas actas deste blog, pura-puríssima admiração da minha mana.
E é verdade,sim senhora, o campeão da generosidade é Deus :))
S.Star
Olá Mocha!
Obrigada por teres "aberto" esta Carta - espero que a leias mais vezes, e outras tantas mais.
Eu quero comentar um texto do teu blog, mas quero fazê-lo com a calma que ele merece... A partir de dia 8, estarei de férias e nessa altura espero "visitar-te", aí na zona incógnita.
Já agora e como comentário a uma opinião tua, gostaria que conhecesses a minha. Pode ser? É só leres a carta de Dezembro "Genus irritabile vatum* ou Há semanas assim"
Bjos
S.Star
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